O desastre do SS Arctic — o naufrágio mais vergonhoso da História

Lucas Rubio
3 min readJul 1, 2023

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O SS Arctic era um navio de passageiros da companhia estadunidense Collins Line. Fez a viagem inaugural da sua linha que ligava os dois lados do Atlântico Norte em 1850 e era um dos maiores navios dos EUA em sua época, sendo conhecido por sua grande velocidade (era um navio a vapor que usava pás laterais) e luxo das acomodações.

Em 27 de setembro de 1854, quando estava indo do Reino Unido para os EUA, colidiu com o pequeno vapor de pesca francês SS Vesta, que entrou com tudo com sua proa no casco do Arctic durante uma forte neblina.

Inicialmente, o comandante do Arctic, o Capitão James C. Luce, ficou extremamente preocupado com o pequeno Vesta, que, na verdade, estava só com a proa destruída, sem risco real de naufrágio. Apesar disso, um pequeno número dos pescadores franceses do Vesta resolvou embarcar nos botes e abandonar o navio. O Capitão Luce, vislumbrando esta cena, não percebeu que seu próprio navio, o imponente Arctic, havia sido perfurado mortalmente na lateral pelo Vesta e estava afundando.

Quando notou isto, Luce ordenou que o navio rumasse a todo vapor para a costa mais próxima. No desespero da fuga, o Arctic atropelou o bote do Vesta, matando todos os ocupantes. Com a estúpida atitude de sair correndo, só depois Luce percebeu que isso só estava fazendo o navio afundar mais rápido. Em seguida, manda então que os botes fossem baixados e o navio abandonado. Graças à legislação frouxa da época, o Arctic carregava simbólicos 6 botes que não tinham capacidade sequer para metade dos passageiros.

Então algo verdadeiramente absurdo aconteceu: a tripulação, única ciente deste dado, resolveu embarcar sozinha nos botes e abandonar o Arctic afundando. No meio do caos e do pânico entre os passageiros, os que conseguiram chegar primeiro aos conveses superiores no momento do embarque dos botes eram homens fisicamente mais aptos ou da Primeira Classe, que tinha aposentos fisicamente mais próximos destes conveses. Ainda no frenesi do embarque, mulheres e crianças que tinham conseguido se aproximar dos botes foram violentamente empurradas pelos homens e tiveram seus lugares tomados. Um dos botes foi sequestrado pelos engenheiros da tripulação e, fingindo que iam tapar os buracos na lateral do navio, empreenderam uma fuga do Arctic. Quando todos os botes partiram, os demais passageiros, ao notarem o abandono, construíram jangadas improvisadas com pedaços da madeira que foi arrancada às pressas do navio. Até mesmo a ocupação destas jangadas foi recheada de violência e nenhuma solidariedade às mulheres e crianças — uma lei do mar.

“O naufrágio do SS Arctic”, obra de N. Currier (1854)

Após 4 horas de sofrimento, o Arctic afundou. Todas as mulheres, crianças e idosos morreram. Do total de 400 pessoas a bordo, 315 perderam a vida. Mais da metade da tripulação, incluindo o próprio Capitão Luce, que afundou com o navio mas caiu no mar e foi resgatado depois, sobreviveu. 24 passageiros homens também escaparam com vida. Dos 6 botes que foram lançados, dois chegaram na costa do continente (a incontáveis quilômetros dali!) e 3 simplesmente desapareceram no oceano sem deixar qualquer vestígio. Ironia do destino: dentre os mortos no mar, estava a esposa e dois filhos de Edward Collins, o dono da companhia proprietária do SS Arctic!

Nos EUA, nenhuma ação judicial ou investigação foi conduzida. Ninguém foi punido, apesar do choque e da pressão da mídia e da sociedade na época.

60 anos depois, outro naufrágio, também conhecido pelo absurdo de botes insuficientes para os passageiros, viria a acontecer — o do Titanic. Entre o espaço de tempo que separam o Arctic e o Titanic, aconteceram inúmeras outras tragédias que tiraram muitas vidas por conta da irresponsabilidade das empresas ávidas por lucros.

(Lucas Rubio)

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